A história de Cidão: das ruas de Várzea Paulista para os braços da família

A história de Cidão: das ruas de Várzea Paulista para os braços da família

Trinta e um anos e mais de 350 km de separação finalmente chegam ao fim para Alcides Rufino, o "seu Cidão". Aos 58 anos, ele está novamente nos braços da família, após um longo trabalho realizado pela unidade de acolhimento SOS Cristão, de Várzea Paulista desde o final de 2013.

Na sexta-feira (20), o ex-morador varzino em condição de rua foi à entidade, formalizou sua saída do órgão, recebeu orientações e documentos e se despediu, antes de voltar de vez à cidade de Oriente. É lá, no município próximo a Marília, interior paulista, que ele passa a viver com a filha Regiane, 32 anos, e os dois netos gerados por ela.

Quem vê pai e filha juntos e sorridentes não imagina o quão difícil foi reunir a família, depois de tanto tempo. Com problemas psiquiátricos ligados ao alcoolismo, Alcides, que se separou da mulher, há 31 anos, veio a Várzea Paulista por saber que tinha uma irmã na cidade, chamada Conceição.

Já na cidade, ele não conseguiu manter um bom relacionamento com a parente. "Nunca nos demos bem", revela. Foi o início de sua longa jornada nas ruas varzinas.

A luta do SOS para mudar essa situação começou com o esforço pela retirada definitiva de Cidão da Rua José Rabelo Portela, em frente à empresa de bombas, no Jardim Maria de Fátima, onde costumava ficar.

O trabalho vem desde 2013, ano da criação do SOS. "Ele foi acolhido por nós sete vezes, desde então. Na última delas, mais ou menos oito meses atrás, ele estava desacordado em frente à loja de roupas próxima a essa organização. Conseguimos trazê-lo para cá e, aí sim, ele ficou conosco em definitivo. Fazíamos questão de procurá-lo e tentar convencê-lo a vir, pois sabíamos que judiavam dele", conta, emocionada, Tailane Souza, coordenadora técnica do órgão.

Nas conversas com ela, a instituição que o acolheu tentava obter contatos do restante da família dele, em Oriente, mas encontrava dificuldades.

"Ele sempre foi muito bonzinho e atencioso conosco. Antes de conseguir falar com a filha dele, eu pensava: com quem ele vai ficar, já que não tem mais ninguém? Após tanto tempo com o Cidão aqui, ele se tornou muito querido por todos nós", explica a coordenadora, sem evitar as lágrimas.

Alcides Rufino, o Cidão

A assistente social Eliana Barbosa foi persistente e conseguiu contato com a família, após várias tentativas. Há mais ou menos um mês, ela localizou Regiane e, a partir daí, começou um processo de convencimento do próprio atendido. "Eu tinha vergonha de reencontrá-la", conta o pai.

Foi aí que, há poucos dias, Alcides decidiu passar o feriado de 12 de outubro com os familiares, em Oriente. O SOS o auxiliou a fazer a viagem. Entre Várzea Paulista e a casa de Regiane, foram mais de 8 horas de viagem.

Ao chegar a Marília, Cidão nem imaginava o que lhe estava reservado. "Meu neto de 6 anos (Brandon Antony) já estava na Rodoviária". Foi o começo de uma grande virada.
 

Vida nova

Após conhecer a família, que também estava apreensiva, Cidão conquistou sua confiança e, por fim, em consenso com Regiane, decidiu tornar definitiva a experiência vivida no feriado prolongado. Mesmo a ex-mulher de Cidão, Maria Lucia da Silva, abraçou a ideia. No domingo (15), foi feito então o contato com o SOS, que foi informado da decisão.

Do outro lado da história, Regiane, ainda bebê quando o pai se separou da mãe, declara que já nem esperava mais vê-lo. "Este encontro é algo que muda totalmente a nossa vida. Agora posso falar que tenho um pai. A gente tinha perdido toda a esperança. Pretendemos cuidar bem dele. É o pai que esperávamos ter", comemora. "A partir de agora, vamos viajar muito", prevê, ao lado da também contente sobrinha Ândela Alves de Lima, 18 anos, outra neta de Alcides que veio ao SOS para retirar os pertences.

"O Brandon já me pede a bênção, o que me deixou comovido quando aconteceu pela primeira vez. Ele gosta bastante de mim. Quero aproveitar muito o contato com ele e os outros netos (quatro – três deles da outra filha, Cremilda). Agora é uma vida nova que começa, já sem a cachaça", afirma o restaurado Cidão. "Sempre que possível, virei aqui visitar o pessoal do SOS", complementa.
 
 

Trabalho em várias frentes


Desde que começou a ser atendido pelo SOS Cristão, Cidão recebeu uma série de cuidados, realizados pela entidade. O munícipe teve acompanhamento psicológico e social. No final do ano passado, ele conquistou o direito ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), importante auxílio financeiro em razão de sua condição psicológica.

O trabalho do órgão também foi fundamental para a garantia do benefício. Na última semana, a unidade de acolhimento cuidou de fazer os contatos necessários para garantir que, lá em Oriente, o resgatado possa continuar a ser atendido, por um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e uma UBS (Unidade Básica de Saúde) locais.

A lojista Vivian Creato, proprietária da loja de roupas perto da qual Cidão costumava ficar, fez questão de participar da despedida do interno do SOS Cristão, na sexta-feira (20). Ela se lembra bem de quando ele fez o contato com o órgão, em 2013, ao perceber que ele precisava de cuidados, por estar todo molhado. "Vim aqui lhe trazer um presente. Ele sempre nos tratou muito bem", afirma.
 
A recuperação de Cidão é apenas um dos casos vivenciados pela instituição, que podem ser diversos: endividamento e situação de rua, em razão de desemprego; dependência química, entre outros. "O objetivo do SOS é tirar a pessoa daquela situação de vulnerabilidade", explica Tailane.

Para fazer parte do projeto, o munícipe deve estar aberto à oportunidade de sair da atual condição e apresentar mudanças de atitudes e comportamentos. Realiza-se, entãi, um trabalho de reinserção no contexto social, devolvendo a dignidade ao assistido. 

Quando necessário, são feitos os documentos pessoais, triagem de saúde, para atualizar vacinas e realizar alguns exames, como de HIV, sífilis e hepatite. 

Segundo a coordenadora, dentro do possível, localiza-se a família bem como são dadas orientações e encaminhamentos ao mercado de trabalho. "Buscamos a reinserção familiar quando possível".

Para ter acesso ao atendimento, é necessário que a pessoa siga as regras estipuladas pelo projeto, uma vez que o SOS passa a ser um lar temporário. O assistido deve frequentar os trabalhos oferecidos pela casa, como oficinas terapêuticas e atividades laborais, realizadas em parceria com as redes de saúde e assistência social, segundo as políticas do SUS (Sistema Único de Saúde) e do SUAS (Sistema Único de Assistência Social). 

O órgão realiza um acompanhamento, por monitores, psicólogas e assistentes sociais, que avaliam o comportamento dos assistidos. Se, no período em que permaneceu na casa, o munícipe cumpriu as regras e demonstrou comprometimento com a mudança de vida, é encaminhado ao mercado de trabalho.
 

Mais informações


As pessoas interessadas em realizar doações ou auxiliar voluntariamente o SOS Cristão devem entrar em contato pelo telefone 4493-2895. O endereço é Rua 2, nº 27 – Jardim Bertioga.

Recomendados para você