Jundiaiense trocou festa de 15 anos por visita a refugiados e inspirou projeto da ONU

Jundiaiense trocou festa de 15 anos por visita a refugiados e inspirou projeto da ONU

Bianca Torres tem 14 anos e, como tradição para as garotas da mesma idade, planejava fazer uma festa de 15 anos. Um dia, em uma aula de geopolítica, a adolescente se interessou pela África – e pela realidade de algumas pessoas que vivem no continente. Foi então que veio a decisão: trocar a festa por uma viagem para um campo de refugiados na Angola, onde residem pessoas que fugiram da guerra civil do Congo. 

Mas, no fim, não foi só uma visita para conhecer a realidade e buscar ajudar da melhor forma possível àquelas pessoas. Bianca ainda conseguiu inspirar um projeto pioneiro: a criação de uma biblioteca, para levar cultura e entretenimento às pessoas que fogem da guerra e do terror. O projeto já foi aprovado pela ONU (Organização das Nações Unidas) e, até o final deste ano, deve ser implantado no campo de Lóvua, em Angola, que foi um dos dois campos em que ela e seu pai visitaram – o outro é de Dundo, que foi recentemente fechado.

Ela conta que tudo começou em um projeto da matéria de geopolítica, que foi passado aos alunos do 9º ano do Colégio Divino Salvador, no ano passado. Durante as aulas, os alunos passaram a estudar países da África, analisando situações que envolvem a política e economia local. “Eu descobri que tem pessoas que vivem com 300 dólares por ano. Enquanto isso, eu ia fazer uma festa de 15 anos gastando mais do que isso. É muito desigual”, refletiu, em entrevista telefônica ao Tribuna de Jundiaí.

A jovem então comentou sobre isso com sua mãe, que se recordou de um amigo ainda da época da escola que hoje atua na ACNUR , agência da ONU que cuida dos refugiados. “Fomos por conta, para conhecer e tentar ajudar da nossa forma”, conta Demetrius Torres, pai da Bianca, que acompanhou a adolescente na viagem, em novembro do último ano.

Antes de ir, ela buscou arrecadar itens que estavam em falta no local, sendo informada que eram necessários livros em Português. “No Congo eles falam francês e alguns outros dialetos. Como eles se mudam para a Angola, onde se fala português, eles precisam aprender a nova língua. Por isso são necessários voluntários que ensinem português, assim como materiais de apoio da língua”, continua Demetrius.

Então Bianca arrecadou cerca de 70 gibis e levou para as crianças. “Quando elas viram os gibis elas ficaram muito felizes! Mas eu tive que doar para a escola, não tinha gibi suficiente para dar para cada um deles. Foi aí que surgiu a ideia de montar uma biblioteca no campo e eu dei a sugestão. A ideia foi repassada para a ONU, que aprovou. Agora a previsão é que o projeto seja implantado ainda este ano”, conta Bianca.

Bianca lê história infantil e crianças se juntam ao seu redor para ouvir  

Cada classe, segundo eles, contava com cerca de 110 alunos. Já o campo de refugiados, com a grande maioria de residentes crianças, tem em média 35 mil habitantes. “Pensamos em colocar algo cultural para as pessoas dentro do campo, com livros de entretenimento, não apenas de alfabetização. A ideia é de levar cultura para eles”, explica o pai da jovem, ressaltando ainda que, graças ao projeto, o amigo da família que é da ONU e os acompanhou na visita, agora virou Diretor de Educação no campo em que será instalada a biblioteca.

Agora que já foi aprovado, o projeto deve ser implantado até o final do ano. Bianca espera que logo comece a arrecadação – que será quase que inteiramente feita em Jundiaí neste início do projeto. Ela também conta que alguns patrocínios já estão sendo buscados e já foram iniciadas conversas com até mesmo a Maurício de Souza Produções, que produz os gibis da Turma da Mônica.

A jovem, ao ser questionada sobre seu sentimento frente à situação, de saber que inspirou um projeto desse nível na principal instituição de direitos humanos do mundo, respondeu sem titubear. “Eu sinto que eu fiz apenas meu dever. Eu não poderia ter conhecido essa realidade e não ter feito nada para ajudar”, diz.

Aprendizado

A experiência de vida, sem dúvidas, foi um dos principais pontos da viagem. Os dois, tanto pai quanto filha, relatam que hoje enxergam muitos aspectos da vida de uma forma diferente. “Eu entrava lá e eu chorava. Ver aquela criançada toda animada, ver que eles não têm tristeza, que eles estão felizes por estar lá, já que conseguiram fugir da guerra”, continua o pai, que apenas de contar sobre a experiência, não segurou a emoção. “Foi uma experiência de vida louca”.

Ela trocou festa de 15 anos por visita a refugiados e inspirou projeto pioneiro da ONU 2Bianca e seu pai, Demetrius, em uma das tendas do campo de refugiados

E, ao falar sobre a iniciativa da sua filha, a emoção foi ainda mais forte. “O meu sentimento como pai é de orgulho. Tenho muito orgulho dela, de ter aberto mão da sua festa, de ter ido até lá. Mas ainda assim, acho que até agora minha ficha ainda não caiu, não apenas pelo projeto, mas pela experiência em si”, conta.

A jovem Bianca, que faz 15 anos em maio, afirmou que sua visão de mundo agora é totalmente diferente. “Não tinha nem vaso sanitário no banheiro, 10 pessoas chegavam a morar em uma casa só, sem nenhuma privacidade. Quando cheguei aqui e entrei no meu quarto, vi que tenho meu canto só para mim, percebi meus privilégios”.

E sobre o seu maior sonho? Bianca garante que é viver em um mundo em que todos os seres humanos se vejam como iguais e ajudem uns aos outros. “Eu aprendi que, independente das linhas geográficas que nos separam, todos somos iguais. A melhor forma de melhorar o mundo é fazendo o bem e ajudando o próximo. A mudança depende de nós”, finalizou.

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