Carnaval 2019 será o primeiro em que assédio sexual é crime

Carnaval 2019 será o primeiro em que assédio sexual é crime

Blocos de Carnaval tem muita diversão, mas tem também toques indesejados, beijos roubados e situações desagradáveis. Mas, neste ano, pela primeira vez, o assédio sexual contra foliãs será tratado como crime.

 

O projeto de lei que definiu o crime de importunação sexual – praticar ato libidinoso contra alguém sem consentimento para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro – foi sancionado em setembro de 2018 pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, então presidente da República em exercício.

A punição prevista é de 1 a 5 anos de prisão, mais dura do que para homicídio culposo (quando não há intenção de matar), cuja pena é de 1 a 3 anos.

Ações do tipo eram enquadradas na lei de contraversões penais, que previa a importunação ofensiva ao pudor. A punição: assinatura de um termo circunstanciado (com o resumo dos fatos) e no pagamento de multa.

Foi o que aconteceu com o homem que ejaculou em uma passageira dentro de um ônibus na Avenida Paulista, região central de São Paulo, em 2017, caso que serviu de combustível para a sanção da nova legislação. Ele foi solto menos de um dia depois.

Só casos mais graves podem ser tipificados como estupro, definido na lei como o ato de constranger alguém a ter conjunção carnal ou a praticar ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça.

Há dois anos, a atriz Carolina Froes, 24 anos, foi vítima de abuso sexual em um bloco na Avenida Brigadeiro Faria Lima. Um homem arrancou o top que a jovem usava e depois a agrediu. O caso foi registrado como estupro. “Fiquei traumatizada. Não fui mais a blocos depois disso”, conta.

Ela avalia a mudança na lei como positiva, diante da quantidade de casos e assédios que já testemunhou. “Mas não adianta criar uma lei que olha por nós se não é aplicada e o sistema continua sendo agressivo contra a mulher”.

Faltava um meio termo entre importunação ofensiva e estupro, diz Isabela Del Monde, advogada da Rede Feminista de Juristas à Folha de São Paulo. “A lei preenche uma lacuna. Mas as autoridades que farão o primeiro atendimento devem ter familiaridade com a legislação, para não minimizarem a violência sofrida”, afirma. “É preciso fortalecer a percepção do que são atos lascivos”.

O conhecimento das novas regras não deve ficar restrito às autoridades. O coletivo Não é Não, que combate o assédio no Carnaval, por exemplo, vai lançar uma cartilha em Minas Gerais para explicar do que se trata o crime de importunação sexual e de estupro.

Será distribuída em mais de 30 blocos, segundo a advogada Lívia Maris, integrante do grupo, para quem a nova lei não teve a divulgação necessária,

Um dos desafios será a identificação e punição dos abusadores, que podem se perder na multidão em poucos segundos. “Ainda assim, é importante registrar a ocorrência para que vire estatística e possamos pressionar as autoridades a implementar políticas de combate à violência contra a mulher”, diz Isabela.

A identificação é difícil, mas não inevitável, diz a delegada Jacqueline Valadares da Silva, titular da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher, já que há muitas câmeras espalhadas pela cidade e tecnologias que facilitam a realização do retrato falado do criminoso.

Mas é preciso tomar cuidado com excessos, afirma Marco Aurélio Florêncio, professor de direito penal do Mackenzie em entrevista à Folha de São Paulo. “Deve haver uma prudência por parte do poder público em não criminalizar todas as condutas durante o Carnaval”, diz. “É preciso avaliar a prova testemunhal, para ver se houve ou não intenção (de cometer o ato)”. Algumas pessoas poderiam, por exemplo, alegar que uma passada de mão foi “sem querer”.

Para os especialistas, a lei representa um avanço, mas não deve ser o suficiente para impedir abusos no Carnaval. “O direito mostra que não é a criminalização de uma conduta que a inibe, mas a realização de trabalhos educativos com as pessoas”, diz Isabela. “A grande função da lei será dar mais poder e voz às mulheres para se posicionarem contra os abusos”.

Outro ponto positivo da lei foi incentivar discussões, diz a advogada Maíra Zapater, doutora em direitos humanos. “Nada leva a crer que a lei, isoladamente, vá impedir a importunação sexual”, diz. “Os índices de estupro, por exemplo, ainda são altíssimos no país, mesmo sendo considerado um crime hediondo”.

Vítimas de abuso devem procurar a autoridade policial para relatar o crime. Também podem registrar a ocorrência depois do bloco, na delegacia mais próxima.

Via Folha de S. Paulo

Recomendados para você